Quem vive em Pernambuco tem a sensação de
que o Estado voltou dez anos no tempo quando o assunto é violência. Esse
sentimento é confirmado pelos números. Nos meses de janeiro e fevereiro, foram
registrados 974 homicídios -quase 17 por dia. Isso representa um aumento de 47%
em relação ao mesmo período de 2016. O Estado de São Paulo, com população
quatro vezes maior, contabilizou 622 assassinatos nesses meses.
O índice alto acendeu um sinal
amarelo nas autoridades pernambucanas, que estão recontratando até policiais
aposentados para tentar investigar os crimes. Recife também sofre com assaltos
a ônibus. Levantamento do sindicato dos motoristas e do “Jornal do Commércio”
aponta mais de mil roubos neste ano -o governo Paulo Câmara (PSB) contesta e
diz que não passam de 500.
De fato, Pernambuco vive um
retrocesso: desde 2007 não se registram tantos assassinatos. Naquele ano, o
primeiro de Eduardo Campos (PSB) como governador, o Estado implantou um
programa de redução de mortes que foi premiado: Pacto Pela Vida. O projeto
tinha como meta reduzir os homicídios em 12% ao ano. Para isso, apostava na
integração das polícias para melhorar a investigação, bônus a policiais que
resolvessem mais crimes e participação popular na criação de políticas públicas
de prevenção e combate à criminalidade.
Em 2007, foi criada a primeira
delegacia especializada na resolução de homicídios. O Estado foi dividido em 26
áreas, e os responsáveis eram cobrados em reuniões semanais com o governador.
Nos anos seguintes, as mortes violentas caíram. Em 2013, Pernambuco teve 3.100
assassinatos, o menor número desde que começou a contabilizar esses crimes.
“Havia grupos de extermínio responsáveis por grande parte dos homicídios”, diz
José Luiz Ratton, professor de sociologia da Universidade Federal de Pernambuco
e um dos idealizadores do Pacto Pela Vida. “Quando você investiga e prende esse
pessoal, você manda um recado às ruas de que matar não está compensando mais.”
Ratton foi assessor de Eduardo
Campos na área de segurança pública até 2012. Na avaliação dele, o Pacto perdeu
força por não conseguir manter a integração das polícias, melhorar o precário
sistema prisional nem fomentar projetos de prevenção duradouros. Muitos dos
avanços, como os bônus para policiais, não têm força de lei.
EXTERMÍNIO
Autoridades e pesquisadores
pernambucanos dizem acreditar que a maioria das mortes tem relação com o
tráfico, mas não há notícia da atuação significativa de grandes facções
criminosas. Existem, porém, guerras pelo domínio de pequenos territórios.
Quando há um assassinato em um grupo, liga-se um sistema de vingança que parece
não ter fim.
Um morador da Várzea,
periferia do Recife, explica o motivo dos sete assassinatos nos últimos dois
meses no bairro: “Aqui tem dois grupos [de traficantes]. É uma diferença de
duas ruas entre um e outro. Um cabra chamado ‘Cabelo’ falou que mataria todos
que entrassem no ponto dele para vender. Matou um, matou dois. Aí foram lá e
revidaram. Já são sete mortos”.
O tráfico também mata quem não
paga. Ratton, que pesquisa o mercado de drogas no Recife, diz que usuários de
crack, por exemplo, vendem a pedra para pagar dívidas. Viciados, usam a
mercadoria que deveriam repassar e acabam mortos por traficantes. O próprio
governo aponta outro fator: os grupos de extermínio ligados a ex-policiais. As
quadrilhas fazem segurança particular, cobram taxas de comerciantes e “prestam
serviços” de pistolagem.
Um deles, o Thundercats, foi
desmantelado em 2008, mas um de seus líderes continua solto. Ex-soldado da
Polícia Militar, Marcos Antônio da Silva responde à Justiça por 25
assassinatos. “Nós temos, sim, milícias armadas atuando no Estado, isso não é
novidade”, reconhece Angelo Gioia, secretário de Defesa Social (segurança
pública).
Desde dezembro, a PM faz
operação padrão, diminuindo o número de homens nas ruas. Os policiais
reivindicam que seus salários sejam equiparados aos dos policiais civis -cerca
de R$ 6.000. Para aumentar os agentes nas ruas, o Estado paga uma remuneração
extra para que trabalhem durante as folgas. Agora, durante a operação padrão,
os policiais se recusam a fazer esse “bico” oficial.
Também não deixam os quartéis
se houver problemas de estrutura. “O PM não pode sair às ruas com coletes e
munições vencidos, armamento que trava na hora de atirar, nem viaturas sem
condições de rodar”, diz Nadelson Leite, vice-presidente da Associação de Cabos
e Soldados. O governo afirma que a operação padrão é um dos fatores que
contribuem para o aumento dos crimes. O governador tem se recusado a negociar
salários com a associação -diz que só negocia com os comandantes da tropa.
A Polícia Civil também reclama
da falta de efetivo e precariedade. Uma portaria do governo previa que o Estado
deveria ter 10 mil agentes em 2015: dois anos depois, há cerca de 5.000.
Algumas delegacias foram interditadas pela Justiça por falta de estrutura. Com
a explosão das mortes, a gestão Câmara anunciou a recontratação de 800
policiais aposentados para atuarem em serviços internos e liberar agentes
efetivos para investigações. O salário é de R$ 1.800 por 40 horas semanais.
OUTRO LADO
Angelo Gioia, secretário de
Defesa Social de PE, culpa operações padrão das polícias Civil e Militar como
uma das principais causas do aumento de crimes no Estado. O secretário,
ex-delegado da Polícia Federal, assumiu o cargo em outubro do ano passado, a
convite do governador Paulo Câmara (PSB). “Tivemos paralisações brancas da
Polícia Civil, da Científica e, depois, da Polícia Militar. Evidentemente, isso
traz um custo operacional.”
Gioia critica a forma como são
negociados reajustes salariais das polícias. Para ele, governos estaduais não
devem negociar diretamente com associações de policiais, e sim com comandantes.
“Essa negociação com associações trouxe um grande prejuízo para a tropa, porque
você tira o comando dos oficiais. Isso enfraquece a relação hierárquica e de
disciplina.”
Eduardo Campos (PSB), que
governou PE entre 2007 e 2014, costumava se sentar à mesa com associações de
PMs para negociar reajustes. Sobre o aumento dos homicídios, Gioia afirma que
os dados “preocupam Pernambuco”. “Estamos num trabalho intenso, seja a Polícia
Civil como a Militar, focados na redução desses números. Nós precisamos focar
as investigações em grupos de extermínio e quadrilhas de tráfico de drogas, de
maneira a reduzir a criminalidade, prendendo essas pessoas”.
O secretário afirma que 89
pessoas envolvidas com tráfico e com grupos de extermínio foram presas -mais de
20 operações da Polícia Civil foram realizadas neste ano. Ele diz que a PM vai
aumentar o policiamento em áreas com alto índice de assassinatos. Gioia alega
que cerca de 16% dos assassinatos são esclarecidos em Pernambuco. “Ainda é
pouco, mas estamos acima da média nacional”.
O secretário diz que o
programa Pacto Pela Vida segue valendo como forma de reduzir os homicídios.
“Ele existe e avança, mas ele permite também ajustes e correções. É isso que
está sendo feito.” Na quarta-feira (12), o governo anunciou um investimento de
R$ 280 milhões em segurança pública nos próximos dois anos. Também informou que
4.800 novos PMs serão incorporados até 2018.